Tânia Pedrosa, guardiã da cultura popular, é Doutora Honoris Causa da Ufal
Título honorífico dá a artista, colecionadora, escritora e ensaísta o reconhecimento ao seu trabalho, que abriu caminho para a arte naïf brasileira
Por Por Simoneide Araújo - jornalista / Fotos Renner Boldrino
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Tânia de Maya Pedrosa, de 91 anos, é a mais nova Doutora Honoris Causa da Universidade Federal de Alagoas. Essa é a maior honraria concedida pela instituição e representa o reconhecimento ao trabalho da artista, colecionadora, escritora e ensaísta. Tânia dedicou sua vida a valorizar e a preservar a cultura popular e abriu espaço para a consolidação e o reconhecimento da arte naïf no Brasil e no mundo. Com sua trajetória pioneira, ela se tornou uma verdadeira guardiã das expressões artísticas espontâneas, resgatando tradições e revelando talentos.
A cerimônia de entrega do título de Doutora Honoris Causa ocorreu no último sábado (26), na Associação Comercial de Maceió, e foi marcada pela celebração das raízes culturais, a começar pela recepção dos convidados ao som vibrante dos pífanos da banda Esquenta Muié, de Marechal Deodoro. Esse foi mais um diferencial, ao criar uma atmosfera festiva e popular que refletiu a trajetória de Tânia Pedrosa como defensora incansável da arte naïf e das tradições brasileiras.
A solenidade foi presidida pelo reitor Josealdo Tonholo, presidente do Conselho Universitário (Consuni), que compôs a mesa de honra ao lado da vice-reitora Eliane Cavalcanti, da professora Thaisa Sampaio Sarmento, representando a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da museóloga Hildênia Oliveira, diretora do Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore, e do publicitário Victor Sarmento, diretor da Pinacoteca Universitária. Essa unidade acadêmica e os dois equipamentos culturais da Ufal foram os proponentes da homenagem à Tânia Pedrosa.
A agraciada foi conduzida à cerimônia pelos conselheiros do Consuni, Wellington Pereira, pró-reitor de Gestão de Pessoas, professor Alexandre Lima, pró-reitor Estudantil, e as professoras Sandra Nunes, diretora do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes, e Cícera Albuquerque, diretora da Escola de Enfermagem.
Seu filho, Sérgio Moreira, falou em nome da família e agradeceu ao Conselho Universitário e à Ufal pela honraria e reconhecimento concedidos a sua mãe. Ele também fez um agradecimento especial à própria Tânia: “Em toda família, mamãe, muitíssimo obrigado por todo apoio que recebemos ao longo de todos esses anos, por tanta honra e tanta felicidade pelo conjunto da obra. Em seu nome, peço vênia ao magnífico reitor, para dedicar esse título aos artistas alagoanos, especialmente ao seu filho de coração, Lula Nogueira. Quem conhece mamãe, sabe que ele foi o responsável pelo lançamento dela como pintora. Se não existisse Lula, não existiria a arte naif de Tânia”, declarou.
E continua: “Quero também dedicar a João [das Alagoas] e a Sil [de Capela], porque são capelenses, porque nos viram crescer, e, especialmente, ao nosso Persivaldo [Figuerôa, pintor e escultor], especialmente porque, aos 91 anos de idade, mamãe está voltando a pintar pelas mãos dele.”
Emocionada, ao ser indagada pelo reitor sobre a aceitação do título –o que faz parte do rito da cerimônia–, Tânia de Maya Pedrosa anunciou: “Declaro aceitar e prometo honrar o título a mim outorgado”.
Ela não conseguiu ler seu discurso, mas pediu ao filho Sérgio Moreira que o fizesse. As primeiras palavras já foram de agradecimento: “É com imensa alegria que agradeço a honraria de receber o título de doutora honoris causa que me é concedido por nossa tão relevante e necessária Universidade Federal de Alagoas. Esse é o segundo título que honrosamente obtenho desta prestigiosa instituição. O primeiro foi de bacharel em Direito, em 1978; este que recebo hoje tem a camada de afetividade, pois ele também foi concedido pela Ufal aos meus grandes amigos, o poeta alagoano Lêdo Ivo, e o professor doutor Ignacy Sachs [agraciado na gestão do reitor Rogério Pinheiro], um economista polonês naturalizado francês, entusiasta da arte e do povo brasileiro.”
E continua: “nesta noite, em que tenho reconhecida a minha trajetória como artista plástica e colecionadora, devotada à arte popular brasileira, especialmente alagoana, externo minha profissão de fé, que envolve continuar por toda minha vida a divulgar os saberes e os fazeres de nossa gente, com o venho fazendo a algumas décadas, em exposições nacionais e internacionais”.
O reitor reafirma que a outorga deste título é o reconhecimento ao legado construído por Tânia Pedrosa. “É um prazer enorme participar desse momento e quero registrar minha alegria de vivenciar tudo isso e de conviver há quase 30 anos com essa família. Hoje é um momento muito especial porque a nossa Universidade faz essa homenagem a uma pessoa de um olhar tão sensível e que é tão importante para arte popular, para os artistas alagoanos. Muito obrigado, professora Tânia, por nos fazer enxergar, pelo seu olhar, as belezas da nossa cultura”, saudou Tonholo.
Ao ressaltar o que Tânia Pedrosa representa para identidade territorial alagoana, Tonholo faz uma conclamação para que a sociedade possa fazer algo em prol dos equipamentos culturais da Ufal, que são um patrimônio e guardam a cultura e os saberes, a exemplo do Museu Théo Brandão, da Pinacoteca e do Museu de História Natural. Ele lembra que a Casa do Povo Alagoano [o Théo Brandão], há anos, está com uma escora na cúpula e não consegue financiamento para a restauração. “Precisamos nos unir para fazer a diferença em prol da nossa cultura e dos equipamentos culturais que, assim como a professora Tânia, são um patrimônio da nossa gente”, desabafou.
Guardiã da cultura popular
Thaisa Sampaio ressaltou a importância de Tânia Pedrosa, que abriu caminhos para outras mulheres. “Dona Tânia abriu caminhos fundamentais para que outras mulheres, alagoanas e brasileiras, pudessem hoje exercer seu trabalho na arte contemporânea.Isso é um feito incrível e maravilhoso. Se hoje temos mulheres em espaços de destaque na arte, na arquitetura e no design no Brasil e em Alagoas, muito devemos à trajetória de inovação e queda de paradigmas que Dona Tânia enfrentou ao longo de sua vida”, completou.
Como bem disse a museóloga Hildenia Oliveira em seu discurso, A Ufal faz um reconhecimento a uma verdadeira cronista visual da vida nordestina, uma referência da arte naïf brasileira e guardiã da cultura popular. “Esse título que a Ufal concede a Tânia Pedrosa é um gesto de gratidão coletiva, um tributo à vida dedicada à criação, à preservação da memória artística e ao fortalecimento da identidade nordestina. Hoje, celebramos uma mulher que se fez artista sem formação acadêmica formal em arte, mas que se formou no silêncio dos ateliês populares, no barro das mãos de mestres ceramistas, nas cores das festas de interior e no compasso dos maracatus, pastoris e folguedos que fazem pulsar o Brasil profundo”, registrou.
Hildênia afirma ainda: “A Ufal cumpre uma missão institucional, que é reconhecer saberes que nem sempre passaram pelos bancos universitários, mas que contribuíram enormemente para o patrimônio cultural brasileiro. O título é, neste caso, também um gesto de reparação simbólica, porque por muito tempo a arte popular foi invisibilizada nos espaços formais de produção do conhecimento. Que essa honraria sirva à Tânia Pedrosa como símbolo de nossa gratidão, de nosso respeito e de nossa admiração”.
A vice-reitora também fez um agradecimento aos membros do Consuni por ter aprovado a outorga do título a Tânia de Maya Pedrosa. “É com muita honra e contentamento que, hoje, a nossa Universidade se rende à delicadeza peculiar da arte para homenagear uma mulher que com alma, pincel e muita cor conseguiu transformar o simples em extraordinário. Ao homenagear Tânia de Maya Pedrosa, celebramos, acima de tudo, a beleza que nasce do olhar puro, do tom intuitivo, da poesia que se faz imagem, reconhecendo o legado de uma mulher cujas obras transcendem os limites da técnica do tempo e da linguagem”, confirmou Eliane Cavalcanti.
Ela afirma que ao conceder esse título, “a Universidade reconhece algo que o mundo da arte e da cultura já sabe há muito tempo: que a obra de Tânia é um patrimônio afetivo e visual, que sua pintura é um lugar onde tradição e sonhos caminham lado a lado, onde a técnica vem da vivência e não do academicismo”.

