Pinacoteca da Ufal leva a exposição de Jhonyson Nobre para a Bienal do Livro de Alagoas

Obra “Azul é a memória” estará presente ao longo do evento; artista falou sobre o trabalho

Por Guilherme Honório - estudante de Jornalismo (Ascom Pinacoteca)
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"Azul é a memória" integra exposição da Pinacoteca da Ufal na Bienal do Livro de Alagoas. Foto: Arquivo Pessoal
"Azul é a memória" integra exposição da Pinacoteca da Ufal na Bienal do Livro de Alagoas. Foto: Arquivo Pessoal

Do dia 31 de outubro a 9 novembro, a Pinacoteca da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), estará presente na 11° edição da Bienal Internacional do Livro de Alagoas. Em 2025, o evento será realizado no Centro de Convenções do Jaraguá, com a temática “Brasil e África ligados culturalmente nas suas raízes e ritos”. A ocasião marca o primeiro reencontro da Pina Ufal com o público, após seis anos fechada.

Durante os dez dias, o espaço cultural da Ufal levará ao público as exposições de artistas alagoanos, sob a curadoria da museóloga Cintia Rodrigues. Por meio da mostra, os visitantes terão contato com importantes obras que ressaltam a identidade cultural afro alagoana ao longo do tempo e a forte influência, tanto no passado, como atualmente.

Um dos artistas expostos pela Pina Ufal, Jhonyson Nobre, conversou sobre sua carreira e a obra que será apresentada na Bienal.

Azul é a memória

Natural de União dos Palmares, Jhonyson é formado em Direito. Embora destoe da atual realidade seguida por ele, o gosto pelas artes sempre o acompanhou desde cedo, numa necessidade de se expressar.

“Desde pequeno, tive esse ímpeto de contar histórias, de traduzir o sentir por algum lugar. Comecei escrevendo, depois fui para o desenho, a pintura, que é um suporte mais universal na arte, e mais tarde vieram a escultura, a instalação e o cinema. Tudo nascendo de uma tentativa de tocar o indizível, esse lugar do afeto que a psicanálise tanto fala, aquilo que não se diz, mas se sente”, disse.

Quem acompanha o artista, sabe que uma das principais características dos seus trabalhos é a presença da cor azul. Em diferentes tons - mais claro ou mais escuro -, ela está lá, compondo a perspectiva de uma pessoa negra diante da realidade. A partir desse ponto de vista e afinidade com a cor, o autor subverteu o uso histórico do pigmento, voltado à nobreza e à intelectualidade branca.

“O corpo negro, colonizado, foi colocado no extremo oposto disso. Então, usar o azul para marcar a pele negra é um gesto de ressignificação: é se apropriar da narrativa, como diz Neusa Santos Souza em Tornar-se negro, e afirmar que esse corpo é nobre, sensível, capaz de dar e receber afeto. É revelar a preciosidade dessa pele pigmentada, desses traços que também são especiais e bonitos como o azul” explicou Jhonyson.

Tal coloração tornou-se a base para “azul é a memória”, obra que será apresentada ao público ao longo de toda Bienal. Composta por 200 corações azuis anatômicos recortados em madeira e marcados por rostos brancos, o trabalho aborda sobre o papel da memória como corpo e território.

“O azul se torna o tom da lembrança, uma pele simbólica que envolve o corpo negro e pigmenta o tempo. Os corações se espalham pelo espaço, como fragmentos de um mesmo corpo que ainda pulsa”, falou. 

Entre cada coração, haverá um espaço. No entanto, essa ausência, o vazio, também é representativo, segundo o artista. “São os espaços entre os corações que permitem a respiração da obra, falam desse vazio da memória que tentamos preencher. Nesse movimento, o vazio vira espaço para outras histórias, os que vieram antes, a ancestralidade que resiste no esquecimento”, afirmou.

Os rostos, por sua vez, são de pessoas que marcaram a vida do artista, ao ponto de habitarem um lugar afetivo na memória. “Cada rosto representa alguém que compõe o corpo negro coletivo: familiares, amigos, filósofos, artistas, músicos, professores, escritores, tantas presenças que me atravessam e me fazem lembrar. É uma forma de lembrar que é também uma forma de continuar”, destaca. 

A memória é uma importante aliada nas composições de Jhonyson. No entanto, por muito tempo, a história impôs a ótica dos colonizadores. Consequentemente, isso impactou de forma direta as lembranças e vivências daqueles que, de forma sútil ou forçada, foram excluídos da narrativa oficial.

“Então, trazer a memória para o centro da minha pesquisa e do meu trabalho é propor outro ponto de vista: revisitar as violências, compreender as dinâmicas históricas e questionar o que parece natural. É construir uma memória plural, sem apagar o que realmente aconteceu; mas abrindo espaço para novas possibilidades de existência e de leitura do passado”, explicou.

Como não podia ser diferente, Jhonyson absorveu as influências de União dos Palmares, localizada na zona da mata alagoana. Dona de uma história singular, a cidade, entre os séculos 16 e 17, abrigou o Quilombo dos Palmares, o maior refúgio de escravizados das Américas. Além do mais, no local, o artista pôde perceber as dicotomias que marcam o país.

“Viver ali é habitar um território simbólico, onde a história do povo negro não apenas passou, mas continua viva. Estar nesse lugar me atravessa como artista e como pessoa. Mas também é uma cidade com pensamento embranquecido e colonizado, como todo nosso país. Perceber localmente, um fragmento que resume bem a história do todo, é de alguma forma entender que apesar de toda simbologia que a cidade carrega, ainda sim pulsa nela um apagamento da história, da memória e uma lembrança pública muito caricata e rasa”, afirmou.

Agora, o jovem artista está na expectativa de expor junto à Pinacoteca da Ufal, nesse novo momento de retomada do principal centro de arte contemporânea do estado.

“É uma alegria e também uma grande responsabilidade. A Pinacoteca é um espaço essencial para a arte contemporânea alagoana, e participar desse momento de reabertura é profundamente simbólico”, finalizou.

Sobre a Bienal

A 11° edição da Bienal Internacional do Livro de Alagoas ocorrerá do dia 31 de outubro a 9 de novembro, no Centro de Convenções de Maceió, no bairro do Jaraguá. Neste ano, a temática “Brasil e África ligados culturalmente nas suas raízes e ritos”, celebra os laços do país com o continente africano e influência para a construção da identidade brasileira. 

A Pinacoteca da Ufal estará presente, com as exposições de Jhonyson Nobre, Gleyson Borges, sob a curadoria da museóloga Cintia Rodrigues. 

Além do mais, no dia 3 de novembro, na Sala Pitanga, será realizada a mesa-redonda “Arte negra contemporânea alagoana”, com a participação de Jhonyson e Gleyson, e mediação de Cintia Rodrigues.