A coisa ficou preta: Pinacoteca da Ufal estreia obra de Gleyson Borges na Bienal do Livro de Alagoas
Ancestralidade contemporânea é refletida em “Gigantes”, apresentada pela primeira vez ao público durante o evento literário e cultural
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Entre os dias 31 de outubro e 9 de novembro, a Pinacoteca da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), estará presente na 11° Bienal Internacional do Livro de Alagoas, principal evento literário do estado. Realizada em Maceió, no Centro de Convenções do Jaraguá, e com a temática “Brasil e África ligados culturalmente nas suas raízes e ritos”, a ocasião será o primeiro reencontro da Pina Ufal com o público, após seis anos fechada.
A Pina Ufal, sob a curadoria da museóloga Cintia Rodrigues, fará a exposição dos trabalhos dos artistas alagoanos Gleyson Borges e Jhonyson Nobre. Além do mais, também será realizada uma palestra sobre a arte negra contemporânea alagoana, com a participação de Jhonyson e Gleyson.
Por meio da mostra, os visitantes terão contato com importantes obras que ressaltam a identidade cultural afro alagoana ao longo do tempo e a forte influência moderna, como demonstra Gleyson Borges.
Gleyson Borges e a influência do passado na atualidade
Desde 2016, o maceioense adotou o nome artístico “a coisa ficou preta”, expondo e diversificando a linguagem dos trabalhos. Ao longo dos anos, construiu narrativas através da literatura, lambe-lambe, colagens, recortes, bordados, audiovisual, numa trajetória que dá os primeiros passos na infância.
“Como toda criança, eu sempre gostei muito de desenhar, adorava decalcar personagem de revistinha de anime e fazer meus próprios bonequinhos. Acho que isso é bem comum”, lembrou.
Formado em Administração pela Ufal, Gelyson, enquanto estudante, pôde adentrar na área criativa e gráfica, profissionalizando o que começou como brincadeira.
“Acabei me direcionando para a área de marketing durante a graduação. Antes de me formar, já estava trabalhando,não na administração, mas na publicidade como designer gráfico. Depois, virei diretor de arte”, disse.
A música também foi um catalisador. Ouvinte assíduo de rap, através da lírica de cantores do gênero, Gleyson trouxe para o seus trabalhos as mensagens e referências transmitidas pelo estilo, ecoando na escolha do pseudônimo artístico “a coisa ficou preta”. Dessa forma, ele atribuiu um novo significado à expressão - ditado racista, usado em momentos de dificuldade, ao passo que a cor preta é associada a algo negativo.
“Lembro de Emicida, de Rincon Sapiência, que falam que se a coisa tá preta, essa coisa tá boa. Eu tento trazer um novo significado. Quando falarem ‘a coisa ficou preta’, ser pensado em resistência, ser pensado em coisa boa, ser pensado em arte, ser pensado em pessoas negras ocupando espaços”, destacou.
Na Bienal, o artista levará a obra “Gigantes”. “Apesar de inédita, a obra é bem antiga, eu acho que tem uns cinco anos que tá nos meus rascunhos. Ela já tinha um rascunho digital feito, inclusive, mas nunca tinha finalizado”, disse.
A ocasião do evento e sua temática possibilitaram a concretização do trabalho, focada na ancestralidade contemporânea, onde as ligações com os pais e avós ressoam na atualidade.
“Eu acho que a ancestralidade é um termo que nos leva muito para um passado mais distante. Eu quero trazer um pouco esse olhar ancestral para mais perto, para uma sociedade que a gente conhece literalmente. Nossos pais, nossas mães, avós, avôs”, disse. Ainda de acordo com Gleyson, eles representam, hoje, a conquista de espaços às novas gerações.
“Pessoas que na sua trajetória abriram caminhos para que a juventude mais recente pudesse alcançar e ocupar novos espaços, principalmente espaços acadêmicos, que é o lugar onde através da educação é possível abrir portas para a juventude negra, sendo possível tornar as coisas um pouco menos difíceis. Esses gigantes que permitiram que nós pudéssemos chegar onde nós estamos chegando, apesar dos pesares”, completou.
Esse passado, no qual apoia-se o artista, auxilia na compreensão do presente. Olhar para trás não é somente uma mera nostalgia, mas um exercício de entendimento da atualidade. Afinal, a história, por vezes, tende a ser cíclica.
“Há muito sobre o futuro no passado. Eu acho que isso acaba sendo uma inspiração intrínseca para minha arte. Porque as coisas já aconteceram, as coisas já existiram. O que eu tô comunicando são fragmentos de experiências, de vivências, de acontecimentos, de sentimentos, de sensações que já aconteceram. Pode parecer algo novo sendo criado, mas na verdade é um retrato do passado que tá ali para passar a mensagem”, falou.
Gleyson, expondo pela Pina Ufal, recordou dos tempos de adolescência, quando visitava o espaço cultural. Agora, num outro momento, pode levar ao público o seu trabalho no retorno da instituição.
“Estar junto à Pinacoteca é incrível, porque eu lembro de visitá-la na minha adolescência, sempre ficar esperando uma nova exposição. Eu nunca imaginava que um dia eu estaria, de certa forma, ocupando aquele espaço, mesmo não sendo naquele lugar físico. Eu acho que é essencial estar participando disso. É um privilégio muito grande, me sinto muito feliz”, enfatizou Gleyson.
Sobre a Bienal
A 11° edição da Bienal Internacional do Livro de Alagoas ocorrerá do dia 31 de outubro a 9 de novembro, no Centro de Convenções de Maceió, no bairro do Jaraguá. Neste ano, a temática “Brasil e África ligados culturalmente nas suas raízes e ritos”, celebra os laços do país com o continente africano e influência para a construção da identidade brasileira.
A Pinacoteca da Ufal estará presente, com as exposições de Jhonyson Nobre e Gleyson Borges, sob a curadoria da museóloga Cintia Rodrigues.
Já no dia 3 de novembro, na Sala Pitanga, será realizada a mesa-redonda “Arte negra contemporânea alagoana”, com a participação de Jhonyson e Gleyson, e mediação de Cintia Rodrigues.
