Sobre Dois Aspectos
Marcelo Silveira - 2004-03-25 - 2004-04-30
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Marcelo Silveira Sob Dois Aspectos.
Marcelo Silveira quer discutir o conceito da escultura e isso consiste não apenas no ato de retirar, mas também no de mover, interagir, apropriar e mais, olhar a partir de um foco particular o seu lugar.
São dois aspectos. De um lado as questões da materialidade da obra, do fazer e do como fazer, na tentativa de estabelecer uma nova ordem a partir do desequilíbrio próprio das formas propositadamente tronchas e capengas investigação intensamente tratada pelo artista nos objetos articulados.
Do outro lado a abrangência de um olhar sobre a estética obreira, essa mão-de-obra anônima que serra, corta, lixa, forja, cunha, costura e improvisa fazeres e saberes atemporais que culturalmente cercam e envolvem com sotaque bem diferenciado o território à nordeste do território brasileiro.
Esse deslocamento o torna singular. E por que é singular? Por que emerge de uma vivência de uma cultura artesanal em meio às questões pertinentes da arte contemporânea desde a rotação provocada pelos signos duchampianos até as bases fundamentais do Parangolé o deslocamento do olhar, provocado na obra de Hélio Oiticica, no campo da percepção, repõe a colocação do homem enquanto serem oposição a uma objetividade concreta.
Esse legado da subjetividade toma lugar na obra de Silveira e seu deslocamento não é neutro. Trata-se também, do lugar político de onde vive e emerge reintroduzindo uma relação não-regionalista na produção da arte contemporânea brasileira. Fato também recorrente nas obras de outros artistas: Marepe, Efraim, Delson Uchoa e Nassar.
Silveira instaura na própria obra o seu sotaque, a partir do qual percebe e atua como sujeito no mundo. A observação das coisas que estão por perto é seu ponto de partida e a familiaridade com a construção dessas mesmas coisas é o cerne da construção de sua poética.
Apropriação e deslocamento são também físicos dos fazeres e dos materiais. A apropriação é do fazer do outro, que o sabe fazer - sua improvisação é o que o encanta e a partir de onde promove sua intervenção. Há mais de dois anos, o artista empreende uma intinerância de seu ateliê pelo interior de Pernambuco, no projeto Correcaminhos com fronteiras definidas entre o artesanato do fazer à junção de materiais discordantes apropriação com sentido de pertencimento.
Campo de esferas é uma das muitas tentativas em resolver questões de movimento e permanência, desta vez em bloco único e, ganharam marcas de ferro de boi de anônimos. Interessa ao artista a memória da história dos outros bem como essa estética do olhar obreiro que é incorporada ao seu trabalho. Armazém República é constituído por grupos de peças alçadas por tiras de couro e penduradas no teto que irão assumindo vários formatos conforme os conjuntos de quantificados peças que não fazem sentido sozinhas e por isso estão juntas necessitem novo agrupamento. O desenho toma corpo e se move acompanhando o deslocamento de outros trabalhos desenhos que reforçam todos essas questões nos livros de escrita.
Atua como um pesquisador de curiosidade aguçada no intuito de resolver uma ordenação, tronchura e quantificação de objetos discordantes. É disso de que trata a obra de Marcelo Silveira: de uma outra ordem e de uma outra poética recolocada num novo arranjo e que nos desloca a um outro gosto esforço que nos aproxima do legado histórico do saber e fazer.
MARTA MELO.
Arquiteta e especialista em História da Arte e da Arquitetura pela PUC-RJ.