Pintura Habitada

Delson Uchôa - 2007-03-15 - 2007-04-27


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Para Delson Uchôa a pintura sempre foi morada. Reflete a luz de seu lugar, acolhe cromaticamente os caminhos e descaminhos de sua vida, pontua o desenvolvimento de seu raciocínio pictórico e a prodigalidade de seu fazer artístico, que é praticamente abrigo. Pintura habitada reúne trabalhos recentes de Delson em que estas características intrínsecas de seu trabalho apresentam-se de forma latente ou são explicitadas pela vivência intensa em pinturas que transbordam por sua casa, confundem-se com o chão e são retiradas como pele do terreno.

Apresentadas saltando da parede ou derramando-se pelo piso, suas obras acabam por abarcar o espectador. Circundado pela escala ou pelas camadas de pele transparentes e coloridas, é também participante. O conceito de habitar carrega uma falsa singeleza. Alguns dos maiores conflitos da atualidade parecem originar-se de uma crise do pertencimento e da permanência, causada pela flutuação dos vínculos, pela fragmentação do sujeito no capitalismo tardio. Delson responde com o afeto das cores que coleta do mundo. Não obstante, o norte da exposição dialoga com sua própria situação, a de atualizar os conterrâneos desse grande artista, seu lar, sobre os últimos desenvolvimentos de sua produção.

A pintura de Delson Uchoa busca incansavelmente irromper pela potência da luz e das cores. As obras escolhidas para a atual mostra compõem uma epopéia visual em três capítulos, em que propriedades como transparência, luminosidade, textura, exploração cromática e escalas relacionam-se. Ela pode ser apreendida também como texto. A palavra e a narrativa estão sempre muito manifestas em seus trabalhos e norteiam o desdobramento de suas pesquisas e essa propriedade foi respeitada pela curadoria, que alinhavou vizinhanças também pelo sentido de cada pintura, entendendo que cada obra carrega um nome que não apenas a batiza, mas confere seu enredo e contorno conceitual. Pintura habitada não busca ser um apanhado extensivo e rigoroso da trajetória do artista, mas estabelecer uma conversa íntima e informal entre velhos amigos. A casa de Delson Uchoa está aberta pela primeira vez no século XXI.

Cristiana Tejo