O universo das Três Mulheres

Vera Arruda, Jeanine Toledo e Daniela Aguiar - Período: 26 de janeiro a 11 de abril de 2001


- Atualizado em 20/03/2025 17h58

O evento que a Pinacoteca Universitária promove como parte das comemorações dos 40 anos da UFAL, é uma exposição histórica para a arte alagoana pelo ineditismo de sua proposta, ao reconhecer oficialmente, no vestuário / pertinentes à natureza da arte.

Para concretizar materialmente esse reconhecimento, a curadoria convidou as artistas-estilistas Vera Arruda e Daniela Aguilar, dando a cada uma delas uma sala distinta para a exposição de suas obras. A proposta, porém, não parou por ai. Favorecendo a leitura e acentuando o caráter criativo da própria montagem do circuito, entre a obra de uma, estilista e da outra, dando ênfase a plasticidade do conjunto, está o espaço dedicado ao trabalho de Jeanine Toledo.

Na articulação entre as duas manifestações artísticas consiste a estratégia básica da curadoria. a resultado é uma mostra de grande força simbólica e de linguagem conceitual voltada para um entendimento contemporâneo de ver a arte.

O aspecto cenográfico do traje proposto pelas duas estilistas tem no trabalho de Jeanine não um contraponto, mas um elo de identidade teatral na expressão dramática de suas composições, filiadas a estética do absurdo.

Vera Arruda, inspirada no mundo colorido das tradições populares do Nordeste, utiliza miçangas, contas multicores, conchas, sementes, fibras vegetais, espelhos, fitas e fitilhos, aliados a croché, fuxico, rendas variadas e tantos outros elementos que compõem o rico universo do folclore regional.

Com esse material, a artísta-estilista dá asas à imaginação, conjugando as quinquilharias a tecidos vaporosos, indianos, sedas, veludos e tudo mais que a sua fértil intuição possa ditar.

O resultado dessa combinação é uma linha criativa de roupas exóticas, coloridas, ousadas no novo, sutilmente sofisticadas, sensuais nos recortes e delicadas nos adornos.

Embora sem o radicadismo dos intencionados, a obra de Vera Arruda, na espontaneidade de suas combinações e no toque artesanal de sua confecção, é carregada de uma brasilidade pura e descompromissada.

Vera cria com a liberdade dos autodidatas e tem firmado o seu estilo pela preferência de um público que valoriza a roupa enquanto objeto presente no mundo da criação artística. Sua clientela diferenciada, dá ao vestir a importância da moda personalizada contemporânea e, sobretudo, bem resolvida na sua concepção estética.

Daniela Aguilar, por sua vez, cria em cima do refugo, do lixo industrial, do aparentemente imprestável, expurgado, do descartado. Seu grande desafio é tornar desejado o indesejável. Mas, por trás da aparência simplista de suas intenções, está a seriedade de seu propósito. Indo bem além da simples reabilitação de materiais desprezados, a artista, "ao usar a varredura, num processo objetivo e claro de renovação cultural", propõe um olhar crítico que reavalia a febre compulsiva do consumo na sociedade contemporânea.

Ao ousar desmitificar os valores estabelecidos pelo consumismo, Daniela se filia ao ideal wearableano, na tentativa .de reabilitar o homem, conscientizando-o de que a criatividade, se voltada para a melhoria das condições de vida, é um importante recurso para tornar o mundo mais humanizado.

Além disso, o resultado de suas criações é sempre uma provocação de raciocínio, um jogo de atenções e de descobertas que se abre diante do público. A artista, muitas vezes, mascara de tal forma o produto original que difícil e desafiante é identificá-lo.

Jeanine Toledo argamassa seus valores plásticos na densidade de suas figuras, quer na pintura quer nas máscaras, sempre com a ênfase na cor e na ambigüidade representativa do horror.

A estrutura da forma e o domínio do espaço juntam-se ao impacto da cor quase única, dando à composição um entendimento dramático da existência. O expressionismo da artista , pois, se caracteriza pela reprodução pavoroza e ao mesmo tempo poderosa da figura humana, destorcida e alterada na aparência, mas sempre. reveladora da carga psicológica que a envolve.

Nesse aspecto, Jeanine se aproxima da temática de Ibsen, de Shaw e de outros seguidores do Teatro do Absurdo que dão expressão dramática intensa às questões existências. Acoplando sensações da realidade exterior a vivências interiores.

Identificada, conciente ou inconscientemente, com a temática dos autores malditos, Jeanine Toledo é hoje uma das maiores expressões da arte alagoanas e também nordestina. Sua obra, agora enriquecida com a presença das máscaras, acumula talento, técnica e ousadia criativa.

Reunindo Vera Arruda, Daniela Aguilar e Jeanine Toledo em uma só mostra, a Pinacoteca Universitária explora as possibilidades expressivas da matéria e aciona a inteligência crítica do espectador no sentido de entender os múltiplos caminhos que se abrem à arte contemporânea.

Cármem Lúcia Dantas
Museóloga

Período: 26 de janeiro a 11 de abril de 2001

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