Ninhos Urbanos
Maria Amélia Vieira - 2014-09-25 - 2014-11-08
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Ninhos Urbanos: Por onde trafegam os sentidos.
Da descoberta de ninhos na Lagoa do Correia, Sertão de Alagoas, à decepção de encontrá-los vazios, passando ao encantamento de colecioná-los, Maria Amélia Vieira trafega por uma série de imagens aproximando-se do que Gaston Bachelard em sua obra "A poética do Espaço" caracteriza como imagens primordiais. Aquelas em que a primitividade do homem desperta e, procurando recolher-se em seu canto, a felicidade física se traduz em bem-estar.
A superposição de imagens onde homem e animal em seus refúgios se conjugam tão recorrentes na poética literária, vem a ser o tema dessa exposição, onde a interação das coisas que se associam por vezes, se dispersa fluindo outras coisas, seres ou somente imagens.
Se o ninho para o pássaro é uma doce morada, como percebe Bachelard, é por ele ser uma casa de vida, feita para ser habitada durante certo tempo para uma determinada etapa. O ninho assim vivido possui um caráter temporário e se ele se revela como uma imagem fracassada ele tem a virtude de despertar o interesse conduzindo-nos de volta à infância, a sua cosmicidade. Flagrar o ninho real na natureza é se deparar com o ninho vivo como centro de um universo, para onde somos tentados a retornar.
Seus ninhos urbanos, expostos em diferentes ambientes, nos convidam à experiência sensorial de retorno à origem, calcada na imagem primordial do ninho, tendo a árvore e a casa como sua expansão e como material, a argila. Aqui se fazem presentes os ninhos abandonados - colhidos na paisagem sertaneja e para os quais foram criadas as árvores - a parede de taipa que nos remete à morada ancestral, os objetos de cerâmica que moldados como representação dos ninhos, desolados e inertes, passaram misteriosamente à vida.
Outra parte da exposição é reservada à colheita de imagens de ninhos que, feitos pela artista, foram entregues a cada pessoa que encontrou em seu caminho nos últimos anos, recebendo desde então fotos sobre sua evolução. O que resulta no painel compositivo de ninhos que em diferentes lugares abrigam seres inusitados. Através da internet e das redes sociais, o fluxo de ninhos assim participa como elemento interativo e transgressor.
Rompendo limiares e fronteiras, Maria Amélia Vieira, como toda artista contemporânea, interfere de modo incisivo na natureza, dela retirando o tema e a matéria para sua arte e nela inserindo suas obras como novas paisagens. Na avidez incansável de seu labor, a artista modela, desenha, costura e borda, buscando novas bases e suportes para suas ideias e criação. Utilizando tons terrosos como pigmento e a simplicidade do conceito, a metáfora do ninho é bem sucedida em sua proposição estética e humana, demonstrando que tudo que vem a ser criado no espaço pode ser compartilhado: dos experimentos às sensações.
Texto por Anna Maria Vieira Soares Filha
Período: 26 de setembro a 7 de novembro de 2014