Nas Ruas Com Ana | Marulhos: Assemblagens
Ana Ruas e Francisco Oiticica - 2009-05-14 - 2009-06-26
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Nas Ruas com Ana
Poucas vezes temos a oportunidade de pensar a cidade enquanto instituição social, enquanto espaço que recebe, abriga e provoca o encontro das pessoas e o seu conhecimento. A cidade é o espaço de identificação e de integração. (Ou pelo menos deveria ser.) Em alguns momentos, porém, ela é agredida, como também seus cidadãos, pela ausência de planejamento urbano e arquitetônico, e pela especulação imobiliária que supera, através da destruição e da poluição visual, qualquer limite para conservação ou preservação de áreas, gerando o chamado "caos urbano".
Como pensar, nesse contexto, a questão estética? É plausível? Pode o cidadão fruir esteticamente o seu ambiente mais próximo? O trabalho de Ana Ruas responde afirmativamente essas questões. Desde 1996, Campo Grande/MS conta com 25 murais criados pela artista, em pontos diversos da cidade: viadutos, muros de escolas e residenciais, edifícios, passarelas, entre outros. São murais didáticos se pensarmos em sua função de educar visualmente o homem para a harmonia da paisagem, considerada como conjunto de elementos humanos, naturais e culturais. O caráter monumental das obras contrasta com a limpeza das cores e dos desenhos, impedindo que essas superfícies recebam outras informações ou interferências ruidosas como pichações e cartazes.
A artista opera sobre cores contrastantes que atingem seu melhor momento na utilização das sombras, provocando o 'trompe l'oeil", isto é, durante alguns instantes, ao menos, pensamos que as sombras são verdadeiras. Do mesmo modo o projeto A COR DAS RUAS, além desse caráter educativo, atua como elemento de integração, envolvendo adolescentes da comunidade dos bairros escolhidos para execução dos murais. A fruição estética do ambiente, passiva ou ativa, certamente faz com que o individuo e o grupo social se reconheçam e se integrem na conservação do bem comum, o seu bairro.
Maria Adélia Menegazzo Crítica de Arte – ABCA e Professora da UFMS 2001 MARULHOS: ASSEMBLAGES
Ora, bóias! Praia ocupada de material de pescadores, cordas, âncora, bóias, cestos e várias redes. Duas jangadas repousam apenas saídas d’água, velas enroladas. Quase uma fotografia, não tivesse as cores re-trabalhadas e os mastros que se erguem, gráficos, no branco da página. Dois traços negros avançam sobre um horizonte plástico. O enquadramento explode. A cor se afirma por si mesma como um acréscimo não dissimulado.
Lanço. Série de enquadramentos múltiplos reconstitui imagem única, indivisível. Assemblages jogam com os encaixes, com a perspectiva, com a reconstituição panorâmica, a repetição de um motivo. O princípio é cubista. O olhar é instado a ver o barco, a apreender o real. Mas a visão nos escapa, surrupiada. O barco não está lá. Só a sensação do vento. Só o esbatido surdo da vela que se infla num sopapo. Só a tensão perigosa do encordamento. Estas imagens de barcos encalhados nos falam do alto-mar, da luz do horizonte ao largo e do alvoroço dos pássaros. Elas funcionam como o efeito persistente do balanço da vaga nos corpos do pescador quando regressa à terra. Como as marcas do mar na vela, estas imagens são memória da derradeira navegação, da última marejada.
Bandana. A cor assume plenamente seu poderio nesta série. Ela se afirma até o achatamento, recorta e pressiona a fotografia, se apóia sobre a geometria da imagem, suprime certos personagens, dissimula outros, e, até mesmo, de uma imagem, faz duas. O rosa irradiante opera suas escolhas, filtra. A plástica das imagens nos relembra as placas fotográficas dos primórdios da fotografia e seus realces.
Craca. Série de dois procedimentos, assemblage e cor, misturados até à abstração. O mundo é pintura e a origem fotográfica não mais importa. É tudo matéria, cor e abstração lírica.
Carapuça. O homem e o peixe são próximos, e ainda assim, em luta um contra o outro. Marulho. O espírito do pescador é possuído pelo peixe.
De imagens fixas e silenciosas, Francisco Oiticica faz eclodir o movimento e estalar os sons. De imagens fotográficas, produz obras plásticas. Gosto deste entre-dois. Gosto desta transparência – entre fotografia e pintura – este ajuste flutuante da cor à grafia da foto. Enfim, gosto desta humanidade dos pescadores. Francisco faz aqui obra de fotógrafo, de pintor e, também, assim me parece, de documentarista.
Pierre Garbolino Videasta, cenógrafo e arquiteto natural de Grenoble-FR, colabora com Francisco Oiticica em projetos artísticos e culturais no Brasil e na França.
Período: 16 de julho a 28 de agosto de 2009.