Montar uma Ruína: CLUBE ALAGOINHA

Lis Paim - 2018-07-03 - 2018-08-14


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Desde que foi erguida dentro d’água, na ponta da orla marítima, entre as décadas de 1960-1970, o edifício do ALAGOAS IATE CLUBE – o Alagoinha – passou a identificar a junção das praias de Ponta Verde e Pajuçara, a ponto de a presença da sua ruína pairar sobre a paisagem urbana de Maceió como um ícone cultural e uma verruga indesejada. Unidos pelo tempo, não se pode pensar sobre o antigo clube modernista na cidade sem que os seus escombros venham à tona como uma sombra, precisamente impressa sobre os arrecifes que lhe servem de terreno. Esta é a viga mais resistente da sua arquitetura – a localização em que o clube foi construído. É como se nesta exata coordenada (do mapa, das águas, da cidade) pudesse estar concentrada, sempre através da degeneração, uma narrativa que se apresenta ao pensamento como uma explosão de destroços…

De início acompanhada por uma equipe pequena, e, nos anos seguintes, sozinha, desde dezembro de 2012 passei a visitar semestralmente as ruínas do Alagoinha, a fim de capturar em filme e arquivar os fragmentos de tal explosão. Em paralelo, deparei-me com o acervo de fotografias antigas e de fitas em VHS e K7 cedido pela Família Costa, fundadora do clube privativo: um mosaico de registros do passado do prédio. Juntaram-se, depois, a esse volume, algumas imagens avulsas dos fotógrafos alagoanos Japson Almeida, Alice Jardim e Camila Cavalcante, além de vídeos de propagandas disponíveis na internet.

O referido arquivo abrange hoje cerca de 40 horas de gravações em vídeos, 1800 fotografias e 20 horas de ambiências sonoras e conversas gravadas na ruína com narradores que emprestaram as suas vozes e os seus diferentes pontos de vista à minha construção.

A pesquisa que dá origem à exposição MONTAR UMA RUÍNA: CLUBE ALAGOINHA iniciou-se na ocasião do anúncio da obra do “Marco Referencial do Turismo”, projeto destinado a ocupar o lugar dos destroços do clube. Tal obra foi responsável pela interdição definitiva, em 2017, do espaço – aberto ao público desde o seu arruinamento – para uma série final de demolições e reparos, que permanecem inconclusos até o momento.

O enraizamento do prédio nas águas, tanto por meio do gesto arquitetônico quanto da sua ruína, no bairro mais nobre de Maceió, a Ponta Verde, produziu um dentro-fora da cidade que constitui, em si, uma zona de penumbra. Nem completamente integrado ao entorno, nem deste desconectado, nem facilmente acessível, nem inacessível; entre o visível e o invisível, entre o público e o privado, entre a margem e a ilha, a imagem do Alagoinha é a de um apêndice; uma aresta consentida e mal aparada em Maceió: um lugar de limbo.

Esta exploração é, assim, uma investigação da poética da montagem configurada em um duplo movimento: por um lado, há uma exposição do jogo de procedimentos na criação e manipulação daquele arquivo em diferentes dispositivos e técnicas; por outro, a operação de montagem que aqui se realiza é essencialmente a dodespedaçar da possibilidade de criação de uma narrativa linear e cronológica do declínio do Alagoinha, alvo de peculiares ocupações transitórias e de ameaças constantes de desaparecimento desde o momento da sua desapropriação em favor do Estado de Alagoas e subsequente abandono pelo poder público (ao ritmo das marés, demolições e depredações).

Lis Paim
2018.