Mola
Vera Gama - 2003-10-02 - 2003-10-30
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MOLA
De repente nos deparamos com enormes círculos e os olhos passeiam à deriva das cores e das sensações elásticas, na massa que molda impulsos, no movimento incessante e coberto de signos que, encaracolados, giram como se infinito fosse o espaço.
Assim vadeia o olhar na continuidade dos círculos, quase solares, de Vera Gama, na Pinacoteca Universitária. As imagens, em espetacular jogo de volumes, parecem nascer umas das outras, multiplicando-se, emblemáticas e fluídas, na natural afinidade de um mesmo proceder criativo.O círculo, como padrão geométrico, estabelece o rítmo, o molejo, a modulação, na linguagem plástica de rigor visual e no perfeito diálogo com a essência conceitual da proposta.
A mola, como elemento síntese, é o acúmulo, o somatório de todas as voltas que o mundo dá, de todos os círculos da nossa particular ciranda, na elasticidade dos atos e na retenção dos impulsos.
Progressiva caminhada faz a artista ao fazer/refazer o próprio percurso, acumulando experiências no uso do machê, da madeira, da combinação cromática de refinado bom gosto.
Vera Gama cria um circuito que é só seu, forte como sua personalidade, e corre sobre ele feito cirandeira em torno do centro, da essência, do viço da comunicação ancestral que estabelece o elo imaginário do nascer ao transcender.
A Exposição compreende três módulos sequenciados como uma grande mola que se estende: o nascimento, o movimento e o estado de graça.
Na primeira sala, as peças/círculos prestam uma louvação à terra, como se do chão brotassem, enraizadas, buscando a seiva do solo matriz, a germinação, o caminho da semente à vida.
Em seguida, as peças/círculos, aplicadas às paredes, parecem acumuladas, na luta cotidiana pelo espaço que se estende e se contrai, nas idas e vindas, nas conquistas, nos desalentos, na caminhada com todos os seus vieses, enfim!...
A esfera branca que na terceira sala arremata a grande mola conceitual da proposta de Vera Gama porta-se como um escudo cromático e emblemático, pleno dos signos e símbolos da vida, de leitura transcendental, nirvânica, no estado de graça que, neste mundo, só o amor e a arte constroem.
O vigor de temperamento, o frescor da idade, a rapidez no pensar, a sensibilidade aguçada, a inteligência criativa e uma enorme capacidade de ajustar as idéias às ações são atributos que, somados ao talento, fazem de Vera Gama, em sua primeira individual, uma estrela de brilho próprio, radiosa em seu alcance, que nos dá a certeza de que a luz de sua arte abrirá, feito farol, um importante caminho na História da Arte Contemporânea em Alagoas.
Cármen Lúcia Dantas