Lugares Comuns Ou Vazios Encenados

Renata Voss - 2008-07-31 - 2008-09-14


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A investigação das rotas que problematizam, particularizam e expandem os caminhos da fotografia na contemporaneidade parece figurar como um vetor de força para o olhar criativo de Renata Voss. A partir da adoção da abertura aos hibridismos de meios e de intencionalidades estéticas, a fotografa abre espaços para instigantes recombinações simbólicas entre os domínios do real e da aparência, da verdade e da verossimilhança, conformando conjuntos visuais tensivos e plurais. Desde o seu nascimento a fotografia tem exercido contínua fascinação, sobretudo devido a sua intrínseca capacidade de representação das realidades: aquilo que não se vivencia ainda assim pode ser observado ao longe, em perspectiva temporal enquanto memória, ou pode ser captado atemporalmente enquanto forma e expressividade latentes. Na presente exposição, o olhar de Renata Voss dedica-se à exploração dos variados jogos discursivos proporcionados por esta pluralidade da imagem fotográfica. Valendo-se de operações de desconstrução e reconstrução semântica, a fotógrafa mira, elabora e funda, neste transito, artifícios do olhar manifestado, desvelando também certos estratagemas pelos quais por vezes são logradas as legitimidades da realidade e também onde são tecidas, em especial na contemporaneidade, as reformulações acerca das realidades do visto.

Em uma síntese das atuais problemáticas discutidas pela fotógrafa, percebe-se que uma atenção especial é dedicada ao processo de deslocamento da realidade através de sua captação mecânica em forma de imagens e as implicações prováveis desta ação.

Em um primeiro estágio, pode-se observar o tecer de uma história possível: aos pedaços, surgem os lugares, as paisagens, as texturas, o personagem. Enquanto possibilidade, a história narrada se encontra perturbadoramente aberta, já que os veredictos imagéticos não se coadunam, não se tornam uníssonos perante o olhar do observador. A sintonia provável entre eles nasce mais dos arquétipos do imaginário coletivo acerca do passado, reforçados visualmente pelo artifício do processo artesanal e menos da ordenação lógica entre eles. Uma arqueologia do tempo e da história que não surge, enfim, enquanto lógica de uma inscrição do passado, mas enquanto simulação visual do presente, enquanto teatralidade da realidade cambiante das imagens.

A segunda ancoragem de Renata Voss lança suportes para a percepção das relações entre as imagens fotográficas e certas valorações dadas às imagens na contemporaneidade das sociedades de consumo. Através de recursos nascidos do universo publicitário, ela enfatiza a expressividade da fotografia enquanto lugar de produção dos significados destituídos de seu pathos essencial, ou seja, imagens fotográficas despidas de indícios de paixão, passagem, passividade, sofrimento e assujeitamento. Imagens que, evocando a implacável qualidade técnica possibilitada pelo estúdio fotográfico, fazem ecoar irônica e encenadamente a ausência de uma subjetividade criativa. Os ready-mades apontam simbolicamente para uma possibilidade de inversão deste esvaziamento das imagens: as palavras, as idéias pensantes como coadjuvantes do jogo de re-significação do lugar-comum do universo imagético contemporâneo, e também de seus agentes produtores, os fotógrafos. Por fim, interessa também a Renata Voss um pensar crítico sobre o universo imaterial das imagens que continuamente parece se estabelecer enquanto materialidade valorativa real da vida contemporânea. A fotógrafa analisa certos aspectos das dinâmicas da cultura contemporânea ao dialogar simbólica e ironicamente com os artifícios da construção da realidade através do viés da visibilidade dos sujeitos: a fama, o glamour, o magnetismo exercido pela exposição, as intimidades encenadas através de um elenco idealizado de situações, objetos e intimidades à mostra, espetacularizados numa teatralidade cinematográfica, circular e entrópica.

Renata Voss sabidamente faz parte de uma já reconhecida escola de fotógrafos que opta por ampliar – ou simplesmente desconhecer – os limites da fotografia. Ao expor imagens com proposições conceituais, a artista faz valer certa atitude duchapiana ao arrancar das fotografias seu tradicional espelhar da realidade em busca de situá-las enquanto janelas para o perceber crítico e sensível desta. Conforme Sheila Leirner, “agora, começa a ser importante o que ela revela. E não mais o que ela é”.

Caroline de Gusmão