Jardim, Quintal, Curral.
Carlos Fiuza - 2007-11-21 - 2008-01-02
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O artista plástico Carlos Otávio Fiuza terminou de montar sua nova exposição individual em Maceió no final da tarde de ontem. Sabiamente decidiu transformar as três salas da Pinacoteca Universitária num grande cubo branco e deixar generosos espaços entre as telas, permitindo que cada trabalho induza a experiências únicas com o espectador sem nenhuma interferência. É o momento mágico no qual a razão é deixada de lado e a relação obra-espectador toma conta dos sentidos.
A dominação do branco nas enormes paredes e a disposição das telas em linha tradicional também fortalecem a presença marcante das cores, traços, figuras e mosaicos recorrentes nas mais de 20 obras que dão unidade a mostra intitulada “Jardim Quintal Curral”, que será aberta amanhã, dia 21, e fica em cartaz até janeiro.
Didaticamente dividida em três salas com as temáticas específicas que formam o nome da exposição, a mostra é a materialização artística de elementos trazidos à tona involuntariamente pelo artista no momento do ato criador. Apesar da consciência de que a memória é o fio condutor da trajetória de pintor, Carlos Fiuza recria as imagens do passado através da liberdade e ousadia que só a arte contemporânea permite.
Ele não está preocupado com a representação do real e quebra o rigor construtivo para pintar o fascínio que lhe causa o caju, boi, macaco, peixe, cachorros... “A meu ver, as telas de Carlos Fiuza são, em sua maioria, naturezas-mortas. Desconstruídas, segmentadas, atípicas, mas, sobretudo, singelas. São telas que enfeitam nossa vida e que não têm nenhum pejo em ser decorativas”, sintetiza Cláudia Farias, responsável pela apresentação da exposição.
Ontem e hoje
Num rápido passeio ao lado do artista pelas obras é fácil perceber sua simpatia ao conceito do teórico Walter Benjamin de que a felicidade está no passado e não no futuro. Fiuza conta que precisa deixar as situações, pessoas e cenários tomarem seus lugares no baú da memória para só depois resgatá-las. É exatamente o que acontece na tela preenchida pelo navio na praia da Avenida, local onde morou na infância.
“Nessa época o nosso jardim era a visão do mar. Essa imagem foi evocada recentemente quando passeava nas praias do Rio Janeiro e me deparei com um transatlântico. Automaticamente Maceió veio à tona”, conta o artista, que mora do Rio desde 1983. Lá, estudou filosofia e fez mestrado e doutorado em Educação.
O gosto pelo estudo desde criança e a intimidade com pensadores clássicos e contemporâneos dão ao artista a segurança necessária para quebrar fórmulas e experimentar sem amadorismo. Assim, na sala que chamou de Jardim ele se permite entrar no campo do abstrato tendo como matriz peças losangulares de cerâmica de Francisco Brennand, doadas pelo amigo e fotógrafo Celso Brandão. “As peças estavam guardados há muito tempo esperando o tempo certo para se manifestar”.
“Jardim Quintal Curral” também revela a curiosidade do artista em busca de técnicas, matérias-primas e suportes variados para suas criações. É possível encontrar técnicas como a medieval de pintar direto sobre a madeira e a instigante veladura, que consiste na aplicação de camada de tinta sobre a pintura já pronta. São apenas caminhos experimentados por Fiuza para facilitar o retorno do que se imaginava estar esquecido para sempre, e que a memória expele quando bem entende.