Inout - Vermelho Dominante
Rogério Gomes - 2006-08-15 - 2006-09-21
- Atualizado em

A Ópera da Vida
O título da exposição traz a idéia de contrastes, presente em toda a obra do artista alagoano Rogério Gomes. A contradição de forma e conteúdo, claro-escuro, alto-baixo, negativo-positivo, dentro-fora, multiplicidade-unicidade, passa a ser um ponto de partida para desvendar o misterioso no mergulho através dos objetos escultóricos de sua criação.
Sua pesquisa vai além da espacialidade da obra, do formal, do visível, denunciados até pelos sulcos e fendas esculpidas nos totens, como se fossem janelas para a alma. Traços que marcam o invisível, e nos permitem a descoberta, quem sabe do eu interno de cada um e do espaço da dimensão sensorial. A abertura instiga a curiosidade e o desejo de entrar, de interagir com a obra.
A força criativa do artista nos leva à mais profunda reflexão sobre as questões da natureza humana, com suas verdades e contradições, compondo, na sua exposição, uma ópera da vida. A ópera da tragédia humana, das simulações e aparências, e representada pela cor vermelho, a cor do sangue, que segundo o artista, simboliza a explosão do ser humano. Em suas palavras, “O planeta é azul, mas o interior é vermelho, que significa a força da explosão e tem algo de trágico”. A ópera de Rogério alimenta-se da música de Verdi, da poesia e da filosofia, mas bebe principalmente da fonte de uma esperança que parece já perdida no mundo pós-moderno.
A contemporaneidade da obra do artista também se aproxima do princípio da Egonomia, cujo conceito valoriza o ego acima de tudo. Assim, diante de um mundo globalizado onde as pessoas, as culturas e as cidades apresentam-se aparentemente semelhantes, existe a necessidade de se destacar como ser único e diferente.
Numa visão abrangente da exposição InOut, a impressão de repetição e quantidade de peças é apenas ilusória, pois um olhar mais detalhado nos mostra que cada peça é única, diferenciando-se umas das outras, por meio de tamanhos, tonalidades da cor, disposição das peças e texturas. O convite ao inusitado e a busca interminável, retomada em cada obra, a ilusão da aparência e o mistério do ser, levam à unicidade de cada peça.
A obra de Rogério transforma o mundo em escultura, o espaço da cidade em uma interrogação sobre a vida e a natureza humana. Sua percepção de mundo é filosófica, na medida em que vai além da forma, pensa e se expressa por meio desses objetos escultóricos, interrogando-os e interrogando-se.
Como diz Merleau-Ponty em “O Olho e o Espírito”, “... quando Cézanne busca a profundidade, é essa deflagração do Ser que ele busca, e ela está em todos os modos do espaço, assim como na forma. Cézanne já sabe o que o Cubismo tornará a dizer: que a forma externa, o envoltório, é segunda, derivada, não é o que faz que uma coisa tenha forma, sendo preciso romper essa casca de espaço, quebrar a compoteira, e pintar em seu lugar o que? Cubos, esferas, cones, como ele disse uma vez? Formas puras que tenham a solidez daquilo que pode ser definido por uma lei de construção interna, e que todas juntas, traços ou cortes da coisa, deixam-na aparecer entre elas como um rosto entre juncos? Isto seria colocar a solidez do Ser de um lado, e de outro sua variedade... Há portanto que buscar juntos o espaço e o conteúdo”.
Como Cézanne, o artista alagoano cria algo que não significa despojá-lo de seu “pensamento”, mas o interpreta, tornando visível o invisível. InOut não nos fala com palavras, mas a sua voz muda e forte nos toca e desperta a caixinha de segredos de cada Ser, numa tentativa de tornar aparente o que não é visível, e de refletir sobre a complexidade e o contraste do outro lado das coisas. Evoca-nos não só a visão da forma, mas de algo que está além dela, e das possibilidades de encontrar novas formas, novos espaços, outros caminhos.
Rogério percebe não apenas os objetos, mas o movimento da percepção em relação a eles, o movimento da vida. Assim, tudo o que nos mostra em sua exposição, nada mais é do que a representação do teatro da vida: sonhos, aparências, enganos, mistérios, egos, personalidades, diferenças, semelhanças, posses, perdas, medos, e a esperança de encontrar, quem sabe, um mundo melhor.
Ana Cristina Carvalho
Crítica de Arte
Diretora Cultural da Associação dos Amigos do MAC
São Paulo, 2006