Individuais: Diálogos Foto-Poéticos

Ana Glafira e Tchello D'Barros - 2004-09-23 - 2004-10-22


- Atualizado em

INDIVISUAIS, DIÁLOGOS FOTO-POÉTICOS

Ao invés de participarmos de um culto narcisista, a exposição de fotografias da alagoana Ana Glafira, e dos poemas do catarinense Tchello D´Barros, convida-nos ao diálogo.

Duas intencionalidades, qualidade do sujeito da interação, produzem uma sensação de intercorporeidade entre nós ligada à percepção do tempo de passagem de uma linguagem à outra. O atendimento a este reclame vai ampliar, seria este o objetivo da mostra, nossas capacidades cognitiva, emocional, e associativa.

A montagem da exposição, acondicionando as obras de ambos os artistas nas mesmas salas, leva a que nos interroguemos sobre as possibilidades combinatórias de texto e imagem, sobre os limites divisórios da autoria, sobre a atualidade do conceito romântico de originalidade.

Chama-nos a atenção, também, a produtividade neológica do vocabulário utilizado pelos artistas para apresentar as suas idéias, desde o título, ‘Indivisuais’, fusão de variados semas (invisível, indivísivel, individual, etc.), aos inter-títulos dos respectivos módulos, ‘ideograma’, ‘poemínimos’, e ‘labirintogramas’.

Esta atividade de representação simbólica nominativa é desencadeada como resposta adaptativa às mutações que Glafira e D´Barros assimilam como resultado do nominalismo atual. No ato de criação de palavras novas, o sujeito contingencia o inesperado e legitima novos acontecimentos, moldando o real.

Todo fazer artístico consistiria na fixação de uma biblioteca imaginária, fruto de uma paixão de colecionador, reunida para permitir que textos preexistentes dialogassem entre si, e sugerir a continuação deste diálogo às obras vindouras. Verbo encarnado em figurações, comunicação visual do mistério.

Na medida em que não podemos nos render aos dispositivos de vigilância, que seqüestram as condições de anunciação daquele mistério e destroem nossa privacidade, é que vemos surgir, aqui, os esforços de Glafira: fotografando o monitor de vídeo, face à obscenidade dos mecanismos de controle, ela os retrata devolvendo à máquina a sua própria imagem, o que implica subverter a ordem inicial dada ao aparelho, isto é, o objeto ao qual vigia não é mais o objeto vigiado.

As fotografias de arquitetura, exaurindo o motivo geométrico, visam ganhar a rua e alcançar o espaço. Na 1ª sala, Glafira apresenta fotografias pintadas, trazendo à tona uma energia que robustece a exposição. Estas, são algumas das questões de fundo que sustentam as indagações estéticas da artista.

A poesia de Tchello D´Barros aspira sincronizar os sentidos que asseguram a percepção estética mobilizando o aparato ‘verbivocuvisual’ do texto lírico. Conceito formulado pelo “Plano piloto para a poesia brasileira”, de 1958, manifesto dos concretistas paulistas que propunha tornar simultâneas a comunicação verbal e não-verbal, o ‘verbivocuvisual’ vai suprimir os termos conectivos no interior da frase, e incrementar o jogo entre os cheios e os vazios (a relação que travam entre si o texto impresso e o branco do papel, na página), explorando as virtualidades semânticas, fonéticas e gráficas das palavras para a criação de uma linguagem híbrida, interartística, onde não haja mais separação mas sim integração entre os meios visual, tátil, e auditivo, e de todos os códigos, analógico e digital.

Em D´Barros vemos desenvolvidos aqueles deslocamentos propostos pelo concretismo que formalizam o ‘verbivocuvisual’ como noção: poemas não mais apenas feitos de um encadeamento lógico-discursivo de elementos, mas objetos deslocados do eixo sintagmático da frase para o eixo paradigmático do nome, dos quais advém uma pluraridade de leituras possíveis. E mais, D´Barros constrói uma poesia atraente e jocosa, impregnada da fala urbana espirituosa com a qual nos sentimos afeiçoados.

Dinamizada por enunciados concorrentes antes hierarquizados pelo regime fonocêntrico, a circulação dos paradigmas que orientam o passeio pela exposição sugere-nos embarcar em uma aventura emocional e intelectiva na qual reflitamos o corpo, recepcionemos as sensações, toquemos o outro, e forneçamos comunicabilidade às nossas mentes.

Francisco Oiticica Filho