... E do Bairro Foi Feito

Maria Amélia Vieira - 2004-05-13 - 2004-06-18


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Maria Amélia Vieira é hoje uma artista madura. Talvez esta assertiva pareça por demais forte e definitiva para aqueles que pouco conheçam ou vejam apenas superficialmente a obra por ela desenvolvida.

Meu caminho cruza com o de M. Amélia desde 1982 e desde lá eu a acompanho. Uma das precursoras do Abstracionismo em Alagoas, ela sempre se notabilizou pela sua independência e espírito inquieto. Cores fortes, traços rápidos e seguros, grafismos, "figurinhas"são marcas individualistas das suas obras.

Para muitos observadores estas características pictóricas pareciam estar recorrentes, repetitivas. À "boca pequena" comentava-se a estagnação da artista. Ah! Mas era um grande engano. Na verdade M. Amélia gestava um desenvolvimento significativo em seu trabalho.

Tudo era uma questão de tempo. E todos nós sabemos que o tempo para os artistas é diferente do tempo comum. E, ainda mais, sabemos que por muitas províncias brasileiras o tempo escorre ainda mais lentamente, porque "cada canto tem o seu tempo", como diria o poeta alagoano Jorge Cooper.

A atual pesquisa plástica de M. Amélia iniciou-se com o abandono gradual das imagens chapadas e a tímida introdução de elementos tridimensionais. Diferentes materiais foram pesquisados para encontrar soluções que agregassem o seu imaginário e pudesse expandir a sua gestualidade. Agora a artista responde aos seus pares e ao público alagoano.

A argila, sua velha conhecida, é a matéria que, hoje, satisfaz a sua busca por uma simplicidade imemorial, pela cor contida, pela rusticidade ao toque, pela possibilidade infinita de formas, cortes, modelagens, justa e ou sobreposições.

É, portanto, neste maleável material que surgem os mais diferentes objetos escultóricos que "escrevem" a plasticidade de cunho arquetipal da artista. São pequenos volumes que remetem à natureza, ao passado tribal, ao sexo, aos arcanos da Humanidade nas noites perdidas do Tempo. Reunidos em grupos ou vistos isoladamente, apoiados na contraluz da parede escurecida, eles emitem mensagens de variadas significações.

Em outro momento M. Amélia exibe placas laboriosamente trabalhadas em alto-relevo apoiadas no suporte de uma velha embarcação transformada em uma nau mágica, barroca pela sobrecarga de formas: cruzes, rosáceas, figuras, estrelas, grafismos quase cabalísticos. Para muitos será possível tomar este barco um paradigma hermético seja pelas alegorias ou pelos símbolos ali impressos.

Por fim, os tótens. Uma das formas arcaicas mais antigas no registro da passagem do Homem pela Terra. Sua estrutura formal remete à força primordial, ao falo que semeia a vida. que reproduz, que fertiliza, aquele que encerra em si o suco precioso, semente, agente ativo que fecunda gerando o Outro. Se na Teoria da Arte os principais conceitos discutidos na contemporaneidade são: o Efêmero, o Fragmento e o Imediato, M.Amélia responde exatamente o inverso , numa atitude independente dos modismos atuais.

A argila queimada, que funde em si os quatro elementos fundamentais (terra, fogo, água e ar) embora frágil, não é efêmera, haja vista os restos arqueológicos que nos encantam até hoje. As formas escultóricas usadas pela artista, têm significados quer quando compostas em grandes conjuntos quer quando vistas separadamente. Não são fragmentos soltos, desconexos ou inertes.

Não há imediatez na leitura da obra nem no fazer dos trabalhos. Ao contrário. A fruição plena de cada peça nos solicita tempo, acuidade na visão, flexibilidade nas idéias. Da mesma maneira como também o "fazer" de cada peça exigiu da artista um exercício de paciência, de manipulação hábil, de manuseamento penosamente adquirido e de observação calculada. É um trabalho profundamente feminino naquilo que ele tem de detalhismo, de cuidado na minúcia, de capricho no acabamento, de sutileza de significações, de mistério...

A imediata leitura destas obras só é possível para o visitante descuidado ou observador superficia. Esta mostra faz de M. Amélia Vieira uma das artistas contemporâneas mais profícua e respeitada em terras das Alagoas.

CÉLIA CAMPOS

Membro ABCAlAICA