Canto Oculto

Celso Brandão - 2015-06-15 - 2015-06-20


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Uma luz suprema nesse “Canto Oculto”, de Celso, é o que nos traz um primeiro encantamento ao fascínio de enxergar o lugar. A partir de uma composição fotográfica primorosa, dada pelo diálogo entre o claro e o escuro, habilmente tecidos, damo-nos conta de onde viemos: da margem do riacho Maçayó. Alagadiço que ora nos apresenta, além da própria aparência, as camadas de invisibilidade do tempo.

Diz-se que a lama sob as águas é a própria Nanã. Na mitologia dos orixás, está ligada às terras molhadas e é temida por sua relação com a morte. Os mitos da criação humana a partir do barro reforçam nesse espaço úmido, ainda mais, o que nos remete à simbologia da água como vida e transcendência. Tanto acima quanto abaixo dessa superfície fronteiriça entre terras e águas, e também nos ventos, está o que se enterra ou se eleva, num ecossistema complexo do ponto de vista material e imaterial.

Vemos, aqui, uma clara poética da delicadeza. Encontramos o humano e o seu lugar de origem, aliás, origem e fim de todas as coisas. Elaborada a partir de um sentimento de pertencer e construída como um jogo singelo, a paisagem revelada nessas imagens nos incita a enxergar o mundo à volta além do próprio visível. Sua força está na transformação oculta do efêmero, que Celso capta no tempo e no espaço. Demarca, então, um território afetivo em que se torna possível encontrar o invisível. Suas imagens descolam-se da aparência superficial do lugar para entrar no inconsciente humano e extrair daí a experiência guardada nas águas mais profundas de onde emergimos.

Declaradamente influenciada pela poesia do alagoano Jorge de Lima, em sua obra-prima Invenção de Orfeu, esta exposição é uma homenagem à terra das águas. É também uma ode à luz. É uma tentativa de encontro com a memória. E é, sobretudo, uma declaração de amor ao ambiente natural e histórico de onde viemos e para onde devemos retornar. É um encontro com a ancestralidade por meio das imagens desse canto silencioso que se chama mangue.

Karla Melanias