A Lágrima das Coisas
Hilda Moura - 2016-09-27 - 2016-11-18
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Os segredos da infância e os seus conflitos, a impossibilidade de comunicação, não entre duas pessoas, mas, de forma ainda mais íntima, entre a criança que fomos e o adulto em que nos tornamos. Às lagrimas. Nas obras aqui apresentadas há uma tentativa de redenção e libertação do feminino. E essa condição de gênero torna-se inescrutável nesta poética que se utiliza de coisas para tratar de sentimentos recônditos. Talvez através das mãos, dos pássaros e dos vestidos olhemos para dentro de nós. A coisa que vira pessoa e que nos reconecta com a mais vital solidão. A pessoa, antes menina, agora pessoa-mão, pessoa-pássaro, pessoa-vestido. A transmutação de seres-objetos que se fundem, ainda, em pessoa-árvore. Uma nova morada.
Aquilo que está em nosso lugar e que torna tangíveis nossos sentimentos é o rastro dessa obra. O impulso de buscar na impossibilidade de tocar na dor, a impossibilidade do próprio voo. Estão em toda parte as nossas próprias partes, que costuram e que são costuradas. Um duelo entre a contenção e a libertação permeia cada imagem-pintura e as experimentações escultóricas.
As cores são protagonistas aqui. Elas se derramam em líquidos no azul e no vermelho. E tentam flutuar invisíveis, mas não conseguem. Estancam-se. São pinceladas com a própria coisa: a própria lágrima, o próprio sangue, e todas as outras coisas líquidas inomináveis. As cores emanam fogo e água. E a vida é costurada na própria vida. Os esmaecidos corpos fluindo nas monocromias. Vermelho, azul e branco entre o frio e o calor e o vazio. Há pausas e recomeços nessa narrativa em que imagem e palavra traduzem incômodos na condição de ser. Existir em costuras é estar, ser fincado. Tornar-se. Tocar e ser tocado.
O longo silêncio dessa paisagem de fábula e tragédia, repousa na delicada e fina camada que separa a mulher e a menina na gestação. Eis um resistente limite entre as superfícies de uma e de outra, como um fio pontilhado pela respiração, pelo sangue, inseparavelmente. São esses os habitantes dessa casa vulnerável que coabitam em “a lágrima das coisas”. Tomando como empréstimo da natureza, fauna e flora fantásticas, e da anatomia humana, partes do corpo feminino, Hilda indaga o que é o choro e sobre a criança que resiste em cada um de nós. Os sentimentos humanos através do líquido. A viscosidade da vida está escrita: seja bem-vinda.
Karla Melanias
Curadora